quarta-feira, dezembro 10, 2008

As turmas que temos*

Escrevi demasiado sobre esse assunto para retomá-lo agora com os mesmos argumentos. Mas se não arriscar repetir-me, de nada valerá publicitar as ideias em que acredito – se é que valem como ideias.
As turmas de alunos dos 1º, 2º e 3º Ciclos são genericamente inoperacionais, do ponto de vista didáctico, porque assentam num pressuposto pedagógico errado: o de que o número de alunos por turma (se excluirmos os casos de turmas com alunos com necessidades educativas especiais de carácter prolongado, e outras excepções) pode chegar aos 24 (para o 1º Ciclo) e 28 (para os restantes Ciclos). Estes números, como com muitas coisas da vida, são arbitrários – por que não 25 ou 30, para valores redondos? Aliás, aquilo que se aceita como razoável, ou não, também o é (arbitrário). Mas a razoabilidade, para o caso, tem valido de muito pouco. Só que a história é cruel e os números também: os indicadores de insucesso nas nossas escolas revelam que algo está podre no reino da Educação.
Confrontados com um problema, os apparatchiks do Ministério optam por uma de duas opções, conforme calha: ou colocam a tónica nas pedagogias, ou «escondem» a questão à custa do facilitismo – que é o soporífero da moda.
A cada ano que passa, colocam-se novas questões quanto à indisciplina. Mas poucos pretextam o perfil do aluno de hoje. É que a indisciplina decorre de um longo processo de depuração e refinação de comportamentos sociais, outrora impensáveis, e agora capazes de causar devastação. Ao longo de gerações, perdeu-se o verniz, a delicadeza, as boas-maneiras, para se ganhar em boçalidade.
E a resposta só pode ser a de reduzir o número de alunos por turma (avanço um número arbitrário, mas que me parece sensato: 15 alunos por turma). Contudo, o longo curso de obediência e humilhação a que foram votados os professores, fá-los serem os primeiros a estranhar a sugestão. O seu servilismo impede-os de colocar em causa as leis e a manterem-se a uma distância prudente das exigências.
O problema é que a Educação em Portugal é vulgar, cobarde e doente. E as turmas apinhadas de «maltrapilhos» (também porque a isso são forçados como rumble fish) são o reflexo da enfermidade. A comunidade escolar é exemplo de uma sociedade domesticada, impotente e humilhada. Essa comunidade foi civilmente capada.
Há dias, quando expus um caso de uma turma em que o número elevado de alunos era a maior causa de instabilidade e de insucesso educativo, um colega respondeu-me que, infelizmente (e eu não me deveria iludir), a tendência para aumentar o universo de alunos por turma era imparável – business as usual.
Capados até ao tutano.

António Jacinto Pascoal
Escola Básica José Régio - Portalegre

*Nota:
publica-se a pedido do Professor António Jacinto Pascoal.

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terça-feira, dezembro 09, 2008

Eles não querem é ser avaliados! ou o Discurso do Filho da Puta*

Nós – e nunca é de mais recordar – sabemos o que nos torna diferentes: exigimos ser avaliados. Sobretudo porque nos consideramos diferentes dos outros. Diferentes, não: um pouco mais sérios. E com o ensino não se brinca.
Não queremos ser cúmplices do caos que assola a Educação. Querendo favorecer o sistema, não podemos ser acusados de tirar proventos dele. E não nos rebelando contra esse sistema, mostramos como somos de facto diferentes.
Somos diferentes porque – sem darmos por isso – nos tornaram diferentes. Somos diferentes porque olhamos para os problemas e os analisamos. Somos diferentes porque tentamos resolver os problemas. Somos diferentes porque, em consequência dos nossos comportamentos, os problemas passam a estar sinalizados. Somos diferentes porque não somos subjugados pelos problemas nem martirizados por causa deles. Além disso, falamos uma linguagem – pode dizer-se, uma linguagem científica – que os equaciona.
Somos diferentes porque houve a necessidade de preencher a diferença.
Não resolvemos os problemas – é verdade. Mas somos sérios ao encararmos a hipótese de abordarmos os problemas.
Duvidamos, isso sim, daqueles que infantilizam o processo. Daqueles que, ao contrário de nós, são um problema. Devemos, portanto, aumentar a nossa rede social de amizades de marca.
É sempre possível unir por laços de seriedade alguns homens – sérios como nós –, com a condição de que fiquem outros de fora para apanharem com o pau.
Àqueles que não querem ser avaliados dizemos: o nosso mérito vem de profundas modificações climatéricas que, recentemente, alteraram culturas seculares de ensino. E é nessa onda que vamos.
Quem quiser ser sério (competitivo, credível, eficaz, brilhante) que salte para a prancha.

António Jacinto Pascoal
Professor (Escola Básica José Régio – Portalegre)

*Nota editorial:
Publicamos este artigo a pedido do Professor António Jacinto Pascoal

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