quarta-feira, agosto 03, 2005

Nuvens sombrias

1. Mocidade Portuguesa. Oliveira Simões, o saudosista.

A Mocidade Portuguesa (ou Organização Nacional Mocidade Portuguesa) foi criada em 19 de Maio de 1936 e foi extinta com o 25 de Abril.

Simultaneamente era proibido o escutismo não católico, sendo o escutismo católico tolerado, pretendia o Estado Novo a exclusividade da doutrinação da juventude. A Mocidade Portuguesa era uma organização de carácter paramilitar, constituída por quatro escalões etários: «lusitos», dos 7/10 anos; «infantes», dos 10/14 anos; «vanguardistas», dos 14/17 anos e «cadetes», dos 17/25 anos. Os dois primeiros escalões eram de filiação obrigatória, se bem que inicialmente era obrigatória para todos.

O Estado Novo (Salazar) pretendia com a sua criação abranger «toda a juventude, escolar ou não», e destinava-se a «estimular o desenvolvimento integral da sua capacidade física, a formação do carácter e a devoção à Pátria; no sentimento da ordem, no gosto pela disciplina e no culto do dever militar», ou mais simplesmente, pretendia doutrinar a juventude (masculina) portuguesa, fiel à trilogia: Deus, Pátria e Família. A Mocidade Portuguesa tinha como “irmã” a Mocidade Portuguesa Feminina criada em 8/12/1937 e também teve fim com a Revolução dos Cravos, que visava igualmente, a Mocidade Portuguesa Feminina, a doutrinação das jovens portuguesas e consolidar o papel secundário das mulheres na sociedade portuguesa do Estado Novo. Em 17 de Dezembro de 1999 era nomeado (pelo Primeiro-Ministro, António Guterres e pelo Ministro da Defesa Nacional, Júlio Castro Caldas) director-geral (DGP) do Ministério da Defesa Nacional, o tenente-general piloto-aviador José Augusto Valente de Oliveira Simões, nascido em 1942, em Lisboa, casado, com dois filhos. A 18/1/2000 tomava posse, em cerimónia presidida pelo Ministro da Defesa, onde defendia a «recuperação de algumas actividades que eram exercidas pela Mocidade Portuguesa» (“Diário de Notícias”, 13/1/2000) como forma de atrair voluntários às Forças Armadas. Este saudosista do Estado Novo – só assim se percebem as suas declarações –, da Ditadura e da Mocidade Portuguesa, inspirada na Juventude Hitleriana [Alemanha] e nas Juventudes Fascistas (Itália), foi infelizmente nomeado por um governo do Partido Socialista, cujo Ministro da Defesa – militante do Partido Social Democrata – ouviu impávido e sereno os elogios do tenente-coronel Oliveira Simões à Mocidade Portuguesa. Dos partidos políticos portugueses, que eu tenha conhecimento, só o Partido Comunista Português reagiu, pela voz do deputado João Amaral: «Como se sentiu o Sr. Ministro da Defesa quando ouviu o implícito elogio da actividade da ex-Mocidade Portuguesa e o que pensa disso?» (“Diário de Notícias”, 14/1/2000).

Ao saber do episódio noticiado pelo “Diário de Notícias” e após breve reflexão logo me lembrei das declarações, de um dirigente da Esquerda Portuguesa, feitas há 4 ou 5 anos, a propósito da potencial (e real) tendência direitista no seio das Forças Armadas [Portuguesas] (F.A.P.). O dirigente é Mário Tomé, da União Democrática Popular, que hoje integra o Bloco de Esquerda. Dizia então Mário Tomé (vou tentar lembrar-me do que disse então) que o facto de as pessoas de esquerda serem geralmente pacifistas e as de direita mais militaristas, mais viradas para a carreira militar – daí lhe preocupar a profissionalização das Forças Armadas – levava a que se corresse o perigo de a curto ou médio prazo, as Forças Armadas, se tornassem maleáveis ao renascimento do fascismo/salazarismo, qual instrumento da Direita. Na altura as suas declarações pareceram-me exageradas. Agora não. A situação não merecerá uma reflexão?

2. Áustria. Nazismo. Joerg Haider. FPOe. Coligação conservadora/extrema-direita.

Dou a palavra a Andrei Sakarov (1968): «O mundo nunca poderá esquecer as fogueiras de pilhas de livros que se ergueram nas praças das cidades alemãs, os discursos histéricos, canibalescos dos Fuhrers fascistas e os seus planos, ainda mais canibalescos, de destruição de povos inteiros, incluindo o russo. (...) Jamais serão esquecidas as trincheiras de quilómetros de extensão cheias de corpos, as câmaras de gás, os cães S.S., os médicos fanáticos, as pilhas de cabelo de mulher, as malas com dentes de oiro e os fertilizantes provenientes das fábricas da morte. Uma análise das causas que levaram Hitler ao poder revela-nos o papel inesquecível dos capitais monopolistas alemão e internacional.»

Alguém tem dúvida sobre o carácter e a determinação política do homem (Joerg Haider), líder do Partido da “Liberdade” Austríaco (FPOe), que faz as seguintes afirmações: sobre os médicos estrangeiros, chama-lhes “negros de bata”, fala dos “pretos agressivos por natureza”, “assassinos das nossas crianças”, os “inúteis do Sul”, de “casa limpa”, referindo-se a uma Áustria sem estrangeiros, no seu recente acordo com os conservadores do Partido Conservador Austríaco (OeVP), sugeriu que o subsídio às mães fosse atribuído apenas aos “austríacos puros”, dos S.S. diz que são “homens de carácter que continuam fiéis às suas convicções mesmo quando os ventos sopram em contrário.”

Os pais de Haider, Robert e Dorothe, entram na juventude nazi (Juventude Hitleriana) e Liga das Raparigas Alemãs, respectivamente. «Em 1986, o mesmo ano em que toma as rédeas do partido, herda de um tio-avô uma quinta de 1565 hectares na Caríntia, onde hoje vive com a mulher e as duas filhas, que fora confiscada a uma família judia pelo regime nazi» (Rev. “Pública”, do “Público”, 18/2/2000), “a nação austríaca é um aborto, um aborto ideológico”, “não à sobrepopulação de estrangeiros”, retomando a palavra alemã “Ueberfremdung” que pertencia ao vocabulário nazi. Desenganem-se os que pensam, que é pelo facto de Joerg Haider, o líder do FPOe, não fazer parte do governo austríaco, mantendo-se à frente do governo da região austríaca da Caríntia, que deixa de manipular os seus cinco ministros (do FPOe), ou que é pelo facto de dizer que vai cumprir as regras do jogo democrático e por trazer um “pin” da União Europeia na lapela que isso faz dele um europeísta, e podem pois dormir descansados!! Tal como para Hitler, Mussolini ou Estaline, as promessas, os papéis, os tratados que assinavam, funcionavam como calmantes para os adversários, que tranquilizados depressa se arrependiam de ter acreditado nas palavras dos ditadores. Quem confiar hoje em Haider, não fugirá ao julgamento da História, há erros que se pagam caro. Novamente palavra a Andrei S. Sakarov: «… a colaboração no campo das ideias não pode naturalmente apelar para ideologias fanáticas, sectaristas e extremistas, que rejeitam todas as possibilidades de aproximação, de discussão e de compromisso, por exemplo, nem tão pouco poderá apelar para ideologias da demagogia fascista [e nazi], racista, militarista e maoista [e estalinista]». Não tenhamos ilusões, não me venham com argumentos do tipo: “foram eleitos”, também Hitler (e o Partido Nazi) foi eleito e levado nos braços para o poder pelos conservadores alemães de Van Pappen, também Mussolini foi eleito e levado para o poder pelos conservadores (liberais e populares) italianos, e depois? Tanto Hitler como Mussolini depois de utilizarem a direita moderada como muleta depressa a afastaram, a austríaca não terá melhor sorte. Depende de nós velarmos pela manutenção das regras democráticas, ou então assistiremos ao suicídio (mais do que assassínio) da Democracia. Os tempos não estão de molde a esperar para ver, a Suiça cujo governo de extrema-direita já demonstrou o que nos espera na Áustria, não deixa margem para dúvidas. O PP e o PSD, em vez de enfrentarem o problema preferiram a politiquice, atacar o governo português e o PS, falar duma “conspiração da Internacional Socialista” e criticar a posição tomada pelos outros 14 governos da UE. Do PP perceber-se-á – está na sua natureza – alguma simpatia pela extrema-direita, tudo o que é anti-esquerda, anti-socialista, anti-comunista, é bom; do PSD, só o suicídio colectivo e a sede desenfreada do poder pode justificar mais um tiro no pé – neste caso – em ambos.

3. Concordata. Lei da Liberdade religiosa. Liberdade de culto.

A concordata é um tratado concluído entre a Santa Sé (Estado do Vaticano) e o Governo de um país para fixar os direitos respectivos da Igreja e do Estado. A primeira realizou-se no século XII, com o rei Henrique I de Inglaterra (1101). Das concordatas contemporâneas, 17 datam do pontificado de Pio XI (1912-1939), Papa que prepara a portuguesa, isto é, entre Portugal e a Santa Sé, assinada em 1940 (renegociada em 1975) por Pio XII e pelo Portugal de Salazar, do Estado Novo. A vigência da mesma compreende-se num contexto de ditadura, em que a Igreja Católica foi um forte suporte da mesma, mas inaceitável num contexto democrático, em que o Estado é laico, pela Lei, pela Constituição, ou pelo menos devia sê-lo, de facto. A vigência da Concordata, pelo menos com a actual redacção é um atentado à liberdade religiosa, o Estado não deve tomar partido do ponto de vista religioso, deve dar liberdade aos cidadãos de serem ou não crentes, e sendo, a crer no que muito bem entendem. Neste momento há dois projectos de lei da Liberdade Religiosa, apresentados pelo Partido Socialista e pelo Bloco de Esquerda e também está prevista a revisão da Concordata até 2003, há quem defenda o seu fim, como o BE e como eu próprio.

O projecto de lei do PS (subscrito por Vera Jardim, ex-Ministro da Justiça e pelo presidente do Grupo Parlamentar do PS, Francisco Assis) é tido como consensual, mais moderado. O projecto de lei do BE (do qual Fernando Rosas aparece como porta-voz) é tido como polémico, mais radical, o que é curioso, pois o Bloco mais não quer que defender a pureza dos princípios da laicidade que estão vertidos na Constituição Portuguesa (1976, actual). Um Estado (democrático) que não seja laico, será sempre um Estado coxo, tendencioso, moralista (ou imoral), o único Estado (democrático) que garante a imparcialidade em matéria de liberdade de culto/religiosa é o Estado Laico. Por isso a defesa de do laicismo, quer para crentes quer para não crentes, e a liberdade de culto/religiosa, como sua consequência, não é assunto de segunda ou terceira importância, mas de primeira. Nesta matéria, o BE, face ao projecto de lei do PS e outros alternativos de que se fala, é o mais próximo do ideal, por isso lhe manifesto o meu apoio (público) total. Algumas propostas concretas sobre o protocolo de Estado, diz o projecto do BE: «As igrejas e as demais confissões religiosas não têm representação protocolar permanente nas cerimónias e actos públicos promovidos por órgãos de Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais», a minha concordância é total, chame-me radical, anti-clerical, jacobino… o que bem entendam, nesta questão não há meio-termo, o Estado ou é laico ou não é. Em matéria de ensino religioso, este deve ser feito fora das escolas públicas, tendo em conta que o ensino público, tal como o Estado, são não confessionais – o que está previsto nos dois projectos –, até porque as várias comunidades religiosas têm escolas próprias (privadas) onde ministram o ensino da sua fé, além de o fazerem no seio da família.

«Os vossos filhos não são vossos. Pertencem à vida. (…) Podeis dar-lhes o vosso amor, mas não são as suas almas, porque elas habitam já um futuro que vós não podeis visitar nem em sonhos» Khalil Gibran (“O Profeta”).

É por isso que penso que os pais não devem optar pelos filhos em matéria de religião, estes escolherão livremente com base no conhecimento que tiveram das várias religiões, optando assim por ser crentes desta ou daquela, de várias ou de nenhuma. Daí, isso sim, ser defensável a existência de uma disciplina sobre História das Religiões, obrigatória, que deve ser dada com a maior objectividade possível. Impor uma religião, por mais convicto que se possa estar que a “nossa” é a melhor (e não o é sempre?) é um mau exemplo de educar para a cidadania.

Luís Norberto Lourenço

· Texto publicado na revista “Raia”, n.º 21, Abril/2000.

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